Quarta-feira, 3 de Setembro de 2014

lugar das pias VII

 

Do «Comércio do Porto XLVI- Ano--- 141»

 

«Sinfães, 14 de Junho de 1898

 

Quando a nossa gente do campo sorria em face do corrente ano agrícola, em um abrir de mão, vê-se em luta com a fome e com a

desgraça"!

As colheitas foram por complecto desbaratadas por um terrível temporal que se desencadeou sobre esta vila na tarde de ontém.

A chuva torrencial inundou e destruiu os campos e plantas e uma demorada e forte chuva de grandes pedras de saraiva veio a

completar o tristíssimo quadro de destruição.

Por onde este terrível temporal passou levou tudo quanto na sua marcha estruidora encontrou.

É horrivelmente triste a vista dos nossos campos!... tudo arrazado, destruido e perdido!

Os prejuizos são grandes, não só na agricultura, mas nas estradas, caminhos e habitações.

Informaremos mais detalhadamente na próxima correspondência. A.»

Não encontrei ainda o jornal com o resto da notícia, mas sei por aquilo que ouvi contar que neste dia treze de Junho, dia de Santo

António,de 1898, uma grande troba de água levou a Casa da Cruz e o caminho que era ladeado pelo ribeiro, por onde afluiu o maior volume de água.No lugar da casa, outra foi construida. O caminho nunca foi restaurado e começou a ser usado outro, mais íngreme e com mais curvas, tal como ainda hoje se encontra pelo sítio que se chama «Ribeiro».

 

Pias é um lugar pequeno onde cada sítio tem o seu nome. Começando de baixo para cima temos:a Ponte, o Ribeiro, a Azenha, o Relógio do Sol,

o Campo, as Portas, o Olival Basto, o Outeiro. A Rua, o largo da Cruz, a Estrada Nova, o Cimo do lugar. Ainda temos a Landeira, as Cavadas, o Senso.

Estes sítios também identificavam as pessoas: o «Adelino da Ponte»; a «Albertina do Ribeiro»; a «Silvina da Azenha»; a «Maria das Portas; a «Augusta do Outeiro»; a «Cândida da Cruz»; a «Tereza das Cavadas; a Felisbela do Cimo do Lugar»; a Arminda do Senso».

publicado por Abel Gonçalves às 11:50
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Quinta-feira, 28 de Agosto de 2014

lugar das pias V

TERRA DE MAGIA

   Quem nasceu e viveu aqui a sua infância na primeira metade do século vinte, não pode deixar de estar profundamente marcado pela maravilha duma Primavera de mil variedades de flores exalando um bálsamo precioso. O sabor, a frescura e a pureza das águas cristalinas das fontes, num verão quente. O nadar no Bestança ao fim da tarde. Os magustos enfarruscantes do Outono farto. O Natal à lareira no aconchego e amor, num presépio que é todo este envolvimento onde não falta o rio, a ponte, a capela, a neve!...Fora daqui era difícil a adaptação!...

    Muitas vezes me perguntei porque é que esta gente não tinha tendência para emigrar?... Talvez, porque o encanto era maior que a ambição!...

    A nostalgia da lareira, o deslumbramento da paisagem, o fascísnio do ar puro, a magia das fontes, o feitiço as lendas, o cintilar dos pirilampos!...Isto, e tudo mais que modelou a nossa personalidade, persegue-nos, reclama-nos,chama-nos!...

    Neste paraiso de inocência e felicidade que os meus olhos e ouvidos começaram a admirar e a amar, julgando que o mundo era limitado por aquelas serras onde os pinheiros bravos pareciam penetrar pelo céu azul.

     Lembro-me de ter perguntado inocentemente a minha mãe:--Mãe, do cimo daquele monte, com um dedo chega-se ao céu?...

   --Não, meu filho, tu ainda és pequenino, mas quando fores grande e subires àquele monte mais alto, vais ver outros montes ainda mais altos. 

     Há cinquenta anos, na hora do anoitecer, Pias era uma aldeia enfeitiçada pelo aconchego dos montes, pela magia do silêncio, pelo murmúrio das águas nos ribeiros, pelo mau agouro da coruja, anunciando a morte. Quem a ouvia respondia para afastar o mau presságio: «Mau agoiro no teu coiro». O apupo ritmado dos sapos, o cintilar da luz dos pirilampos na escuridão pesada!...

      As lendas das mouras encantadas que existem debaixo do Outeiro, rodeado pelas águas mágicas do rio Bestança que no inverno se enfurecia e passava por cima das pias arredondadas pelo desgaste das torrentes impetuosas que transportavam no ventre tudo o que lhes impedia o caminho.

     Constava que um dia, um nosso antepassado remoto e sem nome, mergulhou até ao fundo do poço negro. Entrou por uma espécie de porta numa imaginária cidade, iluminada por uma luz intensa e perene e aí, conduzido pela mão duma moura encantada viu coisas tão lindas como impossiveis de descrever. Nunca mais alguem  desejou chegar ao fundo.

Mas, se a experiência foi tão fascinante, não se compreende porque mais ninguém a deseja fazer. O poço continua a ser um mistério para estas gentes!...

    Histórias aterradoras de casas assombradas contava a tia Laura Manca, assim conhecida por ter uma perna de pau...Tinha ido em jóvem para o Porto servir, e num dia fatídico, quando mandada pelos patrões tinha ido à mercearia fazer compras e um fardo de bacalhau caindo sobre ela trancou-lhe uma perna que acabou por lhe ser amputada. Sendo uma boa cozinheira, mas com aquela limitação, teve de regressar á terra, onde vivia numa pequena mas muito limpa casa, com a mãe, a tia Cristina dos Ovos que comprava e vendia, ou trocava ovos por outros géneros.

    Outras histórias eram as das bruxas ou lobisomens!..Homens e mullheres normais, mas que tinham de vez em quando de cumprir «aquele fado»!...

    Só me quero referir àquela do arrais do barco rabelo a dormir  deitado na proa do barco, quando uma dessas mulheres que se transformavam em bruxas depois de se terem untado com um produto mágico, apareceu ao arrais e disse-lhe:--Leva-me ao Brasil, que tenho de lá ir fazer um trabalhinho. O barqueiro lá começou a remar «a cada remo cem léguas» e numa noite de lua cheia foram ao Brasil e regressaram.. Claro que o barqueiro ficara proibido com ameaças de dizer quem era a bruxa... Dizia-se porém, a medo, de boca em boca que era uma conhecida pelo nome de «Rosa Cartola», alta, feia e cruel. E quando aparecia uma com estas características, todos se interrogavam: «Será esta a Rosa Cartola»?

    Se o homem não fosse por instinto « tempocêntrico» e olhar o passado com os óculos do seu mundo contemporâneo e muito haveria a descobrir, guiados pelas lendas e superstições.

    Pias é, de verdade um dos lugares mágicos que abundam por este país fora. Há muito a descobrir no passado remoto deste recanto paradisíaco.

publicado por Abel Gonçalves às 17:02
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Quarta-feira, 27 de Agosto de 2014

lugar das pias II

      ÁGUA LUSTRAL

  Chamo a atenção para o paralelismo da chamada « àgua Lustral» que se benze no Sábado-Santo para ser utilizada no Sacramento do Baptismo, realçando que durante a cerimónia, o círio pascal aceso é mergulhado na água em três impulsos, cada vez mais fundo.

   Recordo também o costume de colocar uma caldeirinha com água benta aos pés da urna, com a qual todos aspergem o corpo do morto. O que ainda hoje se faz, pelo menos em algumas terras.

    Que as covas das rochas, que deram origem ao nome do lugar, não tenham o destino que teve a ponte românica de que só resta o arco, muito escondido, mas aguentando bem a pesada cataplasma de cimento armado, que gente sem conhecimento ou escrúpulos, lhe colocaram às costas.

    Tenho em minha posse a reprodução fidedigna duma fotografia com mais de cem anos, que me foi gentilmente oferecida pelo falecido senhor Romeu Barbedo. Vê-se a ponte em estilo românico, antes de passar a estrada 222, que mostra bem o valor dum monumente que foi barbaramente assassinado. Na foto veem-se ainda pessoas da família Barbedo, vestidas à maneira da época.

O senhor Romeu ficou com outra, tirada numa prespectiva diferente, debaixo para cima, o que permite ver ainda com mais nitidez os contornos da

primitiva ponte. Esta deverá estar na posse dos herdeiros.

 

 

PONTE ROMÂNICA DAS PIAS, antes de passar a estrada 222

 

A PONTE DAS PIAS DEPOIS DA PASSAGEM DA ESTRADA  222

publicado por Abel Gonçalves às 17:37
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Sábado, 26 de Dezembro de 2009

lugar das pias VI

«EVOCAÇÃO» É um texto de Fernando Galhano que julgo por bem transcrever aqui:«Lembro-me de em pequeno, passar todos os anos, com os meus irmãos um mês de férias, na casa dos avós, numa pequena aldeia do Baixo Douro, que se avista do combóio, aninhada no vale que sobe muito direito desde o rio à cumeada longínqua da serra do Montemuro.

O cavalito do moleiro esperava-nos fora da estação. E, montados à vez, seguidos das duas mulheres que levavam as malas à cabeça, lá fazíamos os 5 quilómetros de macadame branco.

Um  rabelo carregava em Porto Antigo, a velha casa de Revolfe, com a sua chaminé estranha, continuava misteriosa e sombria, nas suas paredes sem reboco; e dos poços do Bestança, na volta do outeiro, escondidos lá em baixo pela ramagem dos amieiros, só se viam nesgas de água. E, por fim, a ponte das Pias, a subida da calçada, a velha casa de cunhais de granito, com duas grandes salas em baixo, e quartos pequeninos de tecto masseira, sótãos escuros debaixo do telhado, e uma grande loja fresca com toneis de vinho sempre vazios. Mas é da cozinha que conservo recordações mais precisas. A lareira com um preguiceiro carcomido, a borralheira onde cantava um grilo que nunca se via, o forno que, no dia da fornada, escancarava a boca vermelha e ardente. a gente que chegava com recados, a caneca onde se enchia o copo que bebiam, o jantar dos caseiros ou dos trabalhadores à volta da mesa, em dias de trabalho para a casa. Pelo postigo da porta, sempre aberto, via-se passar a gente na calçada, e por ele vinham também, as novidades e bisbilhotices do lugar. Só quando o Silva barqueiro aparecia para receber os fretes, com as ceroulas brancas atadas nos tornozelos, vermelho e pingão, já no fim da volta, trazendo consigo a aventura do rio que corria ao longo no fundo do vale, o prestígio da cozinha baixava na nossa imaginação infantil.

Eram dias felizes!...Todos os dias eram então uma brincadeira pegada com os rapazes da aldeia, banhos seguidos nas águas puras do Bestança.

Caminhos íngremes, de grandes calaus polidos, levavam-nos a aldeias lá para cima. Pelas escadas de pedra metidas nos socalcos chegávamos às uvas melhores, às nêsperas mais doces e ao bestança que corria, cortado por açudes, com a música monótona e constante a servir de fundo às vozes do vale. Chamamentos agudos de mulher, gritos de miudos como nós, o raro chiar dum carro, ou o «canto» que as moças «botavam», ao juntarem-se para irem em grupo, lá mais de cima, dos lados de Tendais, fruta ou madeira à cabeça.

Era o tempo do desbaste dos castanheirosque serviam de suporte às vides de enforcado, a morrerem com o mal da raiz. A madeira vinha até ao barco, alguma cortada em tabuões e transportada à cabeça, a maior parte em troncos puxados por bois. Desse transporte a rasto veio o sulco que muitos caminhos mostravam, a meio da largura.

O Patrício era o homem que mais admirava na aldeia. filho de um antigo caseiro do meu avô, continuava a amanhar alguns campitos perto da povoação. Morava logo abaixo da casa, e bastava um berro para ele chegar à cozinha. Qualquer coisa que era preciso ir buscar à vila, um recado a lugares dos arredores, ele lá ia, sempre bem disposto, o chapeu de abas viradas para cima, a racha de lodão na mão. Os oito filhos que teve todos permaneceram na terra. uma das filhas ainda ficou a servir uns meses no Porto, mas voltou. outra, empurrada pela família, chegou a tentar o mesmo: chegou ao Porto já triste e macambúzia; atravessou a pé a cidade olhando desconfiada as ruas, as gentes e os carros; e só na Boa Vista perguntou a quem a tinha ido esperar, apontando um eléctrico, « o que eram aqueles palanques a andar». Na semana seguinte voltou para a terra. Dos netos creio que não ficou nenhum por lá..

Da nossa aldeia via-se , lá muito longe, o casario de Alhões, e ainda mais para lá, vagamente, o pequeno muro da capelinha das Portas.

Era de Tendais para cima que começava a «serra». para a gente da ribeira a serra era uma terra agreste, onde caia neve, sem mimos de horta, nem fruta nem vinho, onde raramente iam. O Patrício falava dos montes da Gralheira e de piornais e uma ou outra cavada de centeio, um mundo tão diferente do das Pias, sem socalcos, com muitas lameiras sempre verdes, e casas cobertas de colmo.

Teria os meus 17 anos quando pela primeira vez fui à Gralheira. São perto de quatro léguas. Na primeira parte o caminho sobe, sem parar, a encosta íngreme que o esforço de muitas gerações transformou numa escadaria gigantesca de socalcos bordados de uveiras e bardos. Depois os campos entremeiam com tapadas de giestas, deixa-se de ver o vale do Douro, acaba a vide de enforcado, acaba o pinheiro, e entra-se por fim na zona mais plana, de subida suave. Depois um ribeirito, as primeiras lameiras, e por fim a Gralheira.»

(Transcrevi Texto de Fernando Galhano)

publicado por Abel Gonçalves às 10:59
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Quinta-feira, 26 de Novembro de 2009

lugar das pias IV

LUGAR DAS PIAS VISTO POR FORA

Citando o «Guia de Portugal»:

«Em baixo na vertente que estamos a percorrer, situa-se a aldeia alcandorada de Pias, povoação antiga e castiça, cuja gente acusa forte vocação artística, bem patente nos dois grupos coreográficos e corais cuja fama passou há muito os limites do concelho. A garrida aldeia rodeada de hortejos e quintalórios, parece um presepe suspenso sobre o rumoroso riacho que lhe passa aos pés. Uma vez mais a estrada  faz outra infexão, transpondo o rumoroso curso de água serrana, por ponte de granito, de arco redondo, e retomando a direcção da sua confluência».

( O autor não  se apercebeu que este arco é o que resta da ponte românica.)

 Continua:

« A aldeia que há instantes víamos, de cima já parece outra; agora é um punhado de moradias vetustas e rústicas, empoleiradas numa espécie de pequena península, mas sem o encanto das cerejeiras, das laranjeiras e dos cordões de glicínias, daqui mal visíveis».

 Cito ainda Guido de Monterey:

  « Pias,a Pulcra. uma residência majestática, que a Natureza modelou com carinhos de mãe, ofeecendo-lhe delicadeza, entusiasmo e fascinação.

 Local de mil características dissociadas, que vão da postura das casas, ao jeito fantasioso da Capela erecta no cume dum monte, à corrente do Bestança ritmado e fanfarrão.

     Como única tendência, o misticismo de uma cantiga. Como único rumo, o belo infindo.

     Pias, o prespicaz atributo duma loquacidade, que vibra ao evolar da música folclórica, ou no ritmo de um bailado de magistral concordância.

     Pias, a lídima manifestação da arte natural que molda o coração e que desvaria o espírito.

     Pias, a morada da beleza!...

     Laranjeiras que alinham e perfumam quintais; casas a latejar no meio de verde nítido; courelas prenhes de novidades

      Em baixo o forçante panorama do rio Bestança, esquartejados por lutas sem tino, revolvendo-se na contemplação da berrante euforia».

       Atrevo-me a citar ainda Santana Dionísio em «Alto Douro Ignoto»:

      «...em seguida entramos abertamente no valeiro fundo do rio Bestança contornando a pitoresca aldeia empoleirada de Pias, berço de gente apaixonada da música, com dois competitivos grupos corais de certa nomeada.

       Algumas das moradias graníticas e encardidas, de inconfundível aldeola, quase se debruçam sobre as águas rumorosas do riacho montemurano: Outras são cinguidas por muros altos de pequenos hortejos ou musgosas ribanceiras enfeitadas aqui e além pelas cabeleiras de arminho de velhos sabugueiros 8 sempre rejuvenecidos ao rebentar da Primavera), onde os rouxinóis, nas brancas noites de verão, por vezes se calam para escutar os acordes dos rapagões e das mocoilas que cantam, lá em cima, ensaiando ou afinando qualquer « rimance».»

publicado por Abel Gonçalves às 11:35
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Sexta-feira, 20 de Novembro de 2009

lugar das pias III

O POÇO NEGRO

 

     Sempre ouvi falar deste poço, como se de um mistério se tratasse, com respeito e medo.  Só alguns, os mais corajosos mergulhavam nele, atirando-se dum alto penedo, mas ninguém se atrevia a ir mesmo ao fundo. Dizia a lenda que só um, há muitos anos e que tinha entrado por uma porta que deu acesso a uma cidade maravilhosa, iluminada por uma luz deslumbrante que nunca se apagava, não havendo palavras para descrever tal encanto. Parecia, porém que ninguém estava interessado em repetir a façanha.

Esta lenda remete-nos para tempos pre-históricos. o poço aparece com um caracter sagrado e misterioso nas tradições mais antigas. Por vezes como uma síntese das três ordens cósmicas:céu, terra e infernos.. Outras vezes aparece como um microcosmos, a síntese dos três elementos: a água, a terra e o ar.

     Como que dá acesso a um lugar desconhecido, a uma morada de mortos. Se falamos para dentro dele, repete o que dissemos numa voz cavernosa. Se olhamos curiosos, devolve-nos a imagem, com reflexos fugidios. O poço é símbolo do segredo, da dissimulação. O poço atrai e repele. Também significa a vida, a abundância.

     O poço significa ainda a sabedoria e o homem sábio. Por isso se diz que alguém :« é um poço de sabedoria».

     Tudo isto serve, apenas para reflectirmos que através destas lendas e mitos, somos reportados a muitos séculos ou milénios.

      O poço negro fica perto das rochas onde se vêem as denominadas pias.

publicado por Abel Gonçalves às 12:11
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Quarta-feira, 18 de Novembro de 2009

lugar das pias I

É como sempre ouvi dizer «Lugar das Pias».

A palavra «lugar» aparece derivada de «locus», (latino), mas também em certos casos, derivada de Lug. Encontra-se ao mesmo tempo, em zonas diversas, de  uma ou de outra origem. Este assunto,contudo merecia ser estudado melhor.

 Neste caso a palavra «lugar» que aparece sempre ligada a «Pias». Segundo Eduardo Amarante, deriva provavelmente de «Lug», divindade celta, extremamente importante, que tem como atributo:

«ver na obscuridade».O deus da Luz e das trevas.  

No fundo dum vale estreito, o Sol joga com este lugar às escondidas. De manhã desce lentamente pela encosta do Poente e à tarde, sorrateiramente escapa-se pela encosta voltada para o Nascente.

O conceito de lugar proveniente dos Celtas, não era um aglumerado de casas, mas um sítio onde a divindade se manifestava. Podia ser onde havia ouro ou outro metal precioso; ou abundância de água, fonte de vida e por isso também prestavam culto às águas.

 A «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brazileira», diz que o nome do Lugar das Pias teve origem nos sarcófagos arredondados pela erosão milenária, como grandes e pequenas banheiras, abertas em duros penedos, rodeados por água no verão, cobertos pela água no inverno, A A mesma Enciclopédia parte do princípio que Pias foi necrópole dos romanos. Mas sabemos que há muitas coisas que os romanos herdaram dos celtas e julgo que tudo isto remonta aos Celtas, por conseguinte, antes da romanização.

 Quem ali nasceu e viveu há mais de meio século, sabe que este rio no inverno, qual Deus enfurecico, roncava, praguejava e levava tudo na sua frente, pior que mil bestas encolorizadas, não se sabe bem porquê.

Quem se deixou refrescar e acariciar pelas águas meigas do Bestança, bebeu suas «augas» batidas e puras, nelas aprendeu a nadar desde criança...! Quem extraiu do seu ventre deliciosas trutas, bogas, barbos, escalos, nos seus dias de mansidão e generosidade, não o reconhece nos dias de fúria.

   Seria um deus, meigo, generoso, atraente para a inocência das crianças. Enfurecido, vingativo e cruel com as transgressões dos malfeitores?...

   Na opinião de Joaquim Nunes, estes tanques, escavados na rochas,«estão ligados a uma tradição sacrifial romana, «Memória dum culto milenar». (Mais uma razão para pensar que os romanos tenham também neste caso recebido dos Celtas). «Aí se dirigiam em singelas procissões os crentes, a cumprir os seus votos aos deuses, praticando abluções purificadoras com sangue de bois ou de carneiros e bodes, segundo as suas posses. Primeiro, com um cutelo imolavam as suas vítimas e cremavam-nas. Lançavam as visceras nuns tanques e o sangue noutros. Finalmente distribuiam entre si as peles das vítimas propiciatórias».

 É ainda da nossa recordação, o costume de, em anos de seca prolongada, se fazerem procissões com imagens em andores até á beira do rio, para o povo implorar de Deus através dos santos, a chuva que fazia falta para as culturas. Com um ramo de oliveira, depois de mergulhado na água do rio, aspesgiam os pés da imagem; fosse do Senhor de todos os Remédios, ou de São Cristóvão, ou de outra evocação. Não seria isto ainda um resto do «culto às águas»?

   Consideramos--diz outro autor---que estas tinas escavadas na rocha duma dureza consistente, poderão estar ligadas ao culto das águas. As águas sempre foram cultuadas, devido às qualidades terapéuticas, tanto no campo físico, psíquico, moral ou religioso. Neste caso basta lembrar as águas termais e lustrais romanas.

    «Estas relações da água e do fogo encontram-se também nos ritos funerários dos Celtas. A água lustral que os druidas empregavam para afastar os malefícios, era a água na qual se apagava o tição ardente da fogueira dos sacrifícios. Quando havia um morto numa casa, punha-se à porta um grande vaso cheio daquela água lustral, trazida duma casa onde não houvesse um morto.  Todos os que vinham á casa enlutada, aspergiam-se com aquela água ao sair.» (Dicionàrio dos Símbolos--Jean Chevalier e Alain Cheerbrant) 

E o costume que ainda perdura de colocar água benta  aos pés do morto, enquanto aguarda o funeral, para que os visitantes  façam a asperção?

 Disto, ainda somos testemunhas.

Muitas coisas ultrapassam milénios.

 

 

publicado por Abel Gonçalves às 14:45
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